O Primeiro Jogador Negro do Real Madrid
O papel atual de jogadores negros no elenco do Real Madrid, entre os quais se destacam Mbappé, Bellingham e os brasileiros Militão, Vinicius Júnior, Rodrygo e Endrick, remonta a um nome que deixou uma marca significativa no clube muito antes deles: Didi. O meio-campista brasileiro fez história ao se tornar, em 1959, o primeiro atleta negro a vestir a camisa do Real Madrid.
Da Copa de 1958 à Elite do Futebol Europeu
A chegada de Didi à equipe do Santiago Bernabéu foi resultado direto de sua excepcional atuação na Copa do Mundo de 1958, realizada na Suécia. Durante o torneio, o jogador, conhecido como "Folha Seca", assumiu o comando do meio-campo da Seleção Brasileira, que se consagrou campeã. Seus desempenhos o levaram a receber o prêmio de Bola de Ouro, superando até mesmo ícones como Pelé e Garrincha em termos de reconhecimento individual.
A repercussão dessa performance notável gerou uma proposta de 80 mil dólares ao Botafogo, uma quantia considerada elevada para a época, que foi paga pelo Real Madrid cerca de um ano após a final do Mundial. O clube, ao contratar o brasileiro, buscava adicionar mais um talento a um elenco já estrelado por figuras como Di Stéfano e Puskás.
Assim que chegou, Didi rapidamente se tornou uma figura de grande apelo popular. A demanda por entrevistas se intensificou, com jornalistas disputando a oportunidade de conversar com ele. Torcedores enviavam cartas diariamente, e o presidente do clube, Bernabéu, chegou a mandar produzir bottons e fotos autografadas para atender à crescente demanda dos fãs.
O Real Madrid, que já acumulava títulos europeus consecutivos, aproveitou o impacto midiático de seu elenco para cobrar valores sem precedentes em amistosos ao redor do mundo. A ambição do clube era ampliar seu domínio no cenário continental e conquistar também o recém-criado torneio Intercontinental, que colocava frente a frente o campeão europeu e o campeão da Copa Libertadores. Dentro de campo, o time confirmou seu favoritismo ao vencer o Frankfurt por 7 a 3, garantindo assim a quinta taça europeia consecutiva. Na disputa intercontinental, o Real Madrid aplicou 5 a 1 no Peñarol, após um empate em 0 a 0 no Uruguai.
Da Euforia à Queda de Rendimento
Apesar do início promissor e do brilho exibido durante a pré-temporada, o cenário para Didi mudou rapidamente. Uma sequência de derrotas, que foram consideradas "inexplicáveis" pela imprensa, fez com que o Barcelona disparasse na liderança do Campeonato Espanhol. Nesse contexto, Didi começou a perder espaço no time, foi deslocado para outras funções e passou a ser preterido em várias partidas. Em algumas ocasiões, até mesmo seu salário se tornou pauta nos jornais.
As críticas internas começaram a ganhar força. Di Stéfano, uma voz influente dentro do elenco, questionou a forma como o brasileiro conduzia o jogo. "Nós íamos a 100 por hora. Ele ia a 60. Assim fica difícil", declarou o argentino, em uma fala que repercutiu intensamente na época. Canário, um ponta brasileiro que também atuava no clube, reconheceu que o ritmo de Didi era mais lento, mas discordou da conclusão de que isso era um problema. "O estilo de Didi sempre foi clássico. Ele é o tipo do craque refinado, que pensa o jogo o tempo inteiro. Mas aqui na Espanha, o jogo é muito acelerado. O ideal seria que ele funcionasse como um perfeito lançador de bolas, como o grande chutador que é. O Real só teria a ganhar com isso", afirmou.
Puskás, outro astro da equipe, ressaltou que o clima interno também pesou negativamente contra o meio-campista. Segundo o húngaro, o ambiente, o frio europeu e até mesmo o campo pesado durante o inverno dificultaram a adaptação de Didi. Ele ainda mencionou o desconforto de Di Stéfano em relação ao status que Didi carregava. "O frio se tornou um inimigo a mais. Assim como o campo pesado no inverno. O maior problema de Didi foi sempre a sua própria fama. Ele chegou como campeão do mundo e com o título de ‘melhor jogador do planeta’. Isso acabou gerando um atrito com Di Stéfano. Tornou-o antipático para Don Alfredo", explicou Puskás.
O Fim da Passagem e o Retorno ao Futebol Brasileiro
Com o título espanhol já assegurado pelo Barcelona, Bernabéu decidiu ir ao vestiário nas últimas rodadas do campeonato para cobrar Didi. Ele mostrou ao jogador uma edição do jornal "Última Hora", que reproduzia declarações da esposa de Didi, Guiomar, indicando que havia uma campanha contra o brasileiro. Sem perspectivas de mudança no cenário, o meio-campista compreendeu que seu ciclo no clube havia se encerrado. Meses depois, Didi rescindiu seu contrato com o Real Madrid e retornou ao Botafogo, onde conseguiu retomar o protagonismo que o havia consagrado anteriormente.